Um relatório divulgado pelo próprio governo federal revelou números trilionários de processos judiciais contra a União. O documento da Secretaria do Tesouro Nacional – “Relatório de Riscos Fiscais da União (RRFU)” -, em sua 5ª edição, dá a dimensão também do tamanho do mercado potencial de ativos judiciais no país, uma riqueza ainda “enterrada” no Poder Judiciário por diversas razões. Entre elas, a morosidade da Justiça e as exigências burocráticas de documentos. Pesam também os sucessivos recursos de adiamento do pagamento de precatórios (dívidas com sentenças judiciais definitivas), utilizados durante a tramitação dos processos, pelos diferentes entes públicos: União, estados, Distrito Federal, municípios, suas autarquias e fundações.
Divulgado no final do mês de outubro, o levantamento do Tesouro identificou um “aumento significativo” no volume de processos contra a União. De acordo com o último dado disponível, de setembro deste ano, o valor do estoque de ações judiciais contra a União, considerando as de risco provável e possível, somavam R$ 3,905 trilhões, representando um aumento de 3,9% frente ao ano anterior.
Perda provável na Justiça atinge R$ 1,1 trilhão
Desse total de cerca de R$ 4 trilhões, 71,2% (R$ 2,782 trilhões) se referem a ações de “risco possível”, enquanto 28,8% (R$ 1,123 trilhão) a ações classificadas com “risco de perda provável”, conforme informações encaminhadas pela Advocacia Geral da União (AGU), Secretaria de Coordenação e Governança das Empresas Estatais (Sest) e Banco Central. Ou seja, são recursos que podem movimentar o mercado de precatórios nos próximos anos, incrementando novas negociações entre investidores e credores de ativos judiciais.
De acordo com o Tesouro, recentemente, houve aumento significativo no montante das ações de risco possível “decorrente basicamente de três grandes ações”: Reforma da Previdência (Emenda Constitucional n.º 103/2019); o processo de Revisão da Vida Toda; e a discussão relativa à correção monetária do FGTS.
Segundo o Tesouro, a realização de despesas anuais decorrentes de perdas judiciais tem acompanhado este movimento ascendente. Em 2014, esse gasto foi de R$ 18,8 bilhões e, para o ano de 2024, em termos nominais, estima-se que alcance R$ 66,9 bilhões, representando 3,1% das despesas primárias.
O relatório acrescenta: “Na mesma linha, o pagamento com ações judiciais, como parcela do PIB, vem alcançando patamares cada vez mais significativos. Durante o ano de 2015, se observavam percentuais ao redor de 0,5% do PIB com esse tipo de despesa, chegando ao ápice de 0,7% do PIB, em 2020″.
O documento do Tesouro destaca ainda que, atualmente, os valores mais expressivos se referem às ações judiciais contra a Administração Direta, que nos últimos dois anos têm ultrapassado o montante das ações judiciais de natureza tributária (contra a União) e representam cerca de 40% de todas as ações classificadas como de risco fiscal possível e provável.
As condenações impostas à União se tornam, após a conclusão do processo judicial, um precatório devido pelo poder público. No final do ano de 2021, a evolução dessa dívida federal mobilizou o governo e o Congresso a aprovarem a chamada PEC do Calote dos Precatórios. As regras limitaram, até 2026, a alocação desse tipo de despesa na proposta orçamentária de cada ano.
STF autoriza governo a quitar R$ 95 bilhões em precatórios federais
O Tesouro, em seu relatório, ressaltou que a promulgação das Emendas Constitucionais nº 113, de 8 de dezembro de 2021, e nº 114, de 16 de dezembro de 2021 – decorrentes da aprovação da PEC dos Precatórios –, trouxe significativas mudanças no regime de pagamento dos precatórios. “As despesas destinadas a sentenças judiciais e precatórios vêm apresentando expressivo crescimento nos últimos anos, passando a responder por parte considerável das despesas primárias do Governo Central”, diz o Tesouro, acrescentando que, devido às alterações provocadas pela PEC dos Precatórios e as duas emendas constitucionais, “estima-se que o passivo acumulado até 2027 seja de R$ 199,9 bilhões, ou 1,4% do PIB, sob as premissas de que não ocorre o pagamento antecipado de precatórios com deságio, nem seu uso em operações de encontro de contas”.
Para conter essa “bola de neve” dos precatórios, o governo federal pediu ao Supremo Tribunal Federal (STF) que derrube as normas aprovadas em 2021 e autorize a abertura de um crédito extraordinário. Com a autorização dada pelos ministros do STF no final de novembro, por ampla maioria (9 votos a 1), o governo vai quitar R$ 95 bilhões do estoque de precatórios já acumulados desde a aprovação da PEC sobre o assunto.