Ex-ministro da Fazenda (1988-1990), o economista Maílson da Nóbrega, sócio da Tendências Consultoria, confia que o Supremo Tribunal Federal (STF)
deverá decidir pela inconstitucionalidade das emendas 113 e 114, de 2021, que resultaram da PEC do Calote dos Precatórios. Nesta entrevista, ele diz
acreditar que o próximo governo deve anunciar uma nova âncora fiscal que honre os compromissos com esses credores.
De que maneira a aprovação da PEC do Calote dos Precatórios, que resultou em duas emendas constitucionais já em vigor, afeta a percepção dos
investidores sobre a situação fiscal do país?
Há dois tipos de investidores: o investidor em portfólio, que aplica, entre outros ativos, em precatórios e renda fixa, e os investidores diretos. Para estes,
a expectativa de expansão da economia é fundamental, pois gera mercado para produtos e serviços.
O investidor em portfólio é o que está mais preocupado com a situação fiscal e foi afetado com as emendas decorrentes da PEC. O governo alterou a
Constituição com objetivo nitidamente eleitoreiro, para abrir espaço no teto de gastos e permitir novas despesas.
As novas regras alteraram o teto e o prazo para pagamento de precatórios e afetaram a credibilidade da política fiscal e a confiança no ministro da
Economia, que se apresentava como um economista de Chicago, ortodoxo, sem concessões ao populismo, e que acabou agindo em prol da reeleição
(do presidente) de Bolsonaro.
Reeleição essa que passa a ser vista como uma segunda chance para (o ministro) Paulo Guedes, que perdeu muito da credibilidade que exibia no início
do governo. Guedes agora deposita suas chances na reeleição do presidente, uma vez que fracassou nas políticas de abertura da economia, de
privatização e em outras reformas. Ele se imaginava a Margareth Thatcher brasileira e acabou revelando-se um ministro submisso.
Qual o impacto dessas emendas constitucionais para os próximos governos e a atração de novos investimentos?
Vai depender de quem for eleito em 2022, e tudo indica que teremos um segundo turno entre Lula e Bolsonaro. Dependendo de como Lula caminhe
para o centro, ele pode oferecer maior confiança. No momento, ele não está encontrando o equilíbrio entre contentar a sua base de eleitores e evitar
assustar os investidores, mas minha expectativa é de que Lula caminhará para o centro, à semelhança de 2002, inclusive na questão fiscal. Em seu
primeiro governo, em 2003, ele aumentou o superávit primário e não fez objeção ao aumento de juros.
Na minha visão, o próximo governo vai ter que redefinir a âncora fiscal. O teto fiscal ficou difícil de ser cumprido e pode levar a uma paralisia do
governo. A percepção é de que chegou a hora de uma revisão. É preciso gerar confiança de que uma nova âncora seja efetiva e uma reforma
constitucional deve ser feita no início do próximo governo. Ideias não faltam.
Vejo um cenário e que o STF considera inconstitucionais as emendas (resultantes da PEC do Calote), mantendo a visão que a própria Corte tinha por
ocasião das emendas anteriores (EC 30/2000 e EC 62/2009). Nesse cenário, a nova âncora fiscal deve incluir o pagamento normal dos precatórios.
Se o eleito não for Bolsonaro, creio que teremos uma restauração da confiança e o cumprimento de acordos. Vejo um eventual governo Lula
contribuindo para a melhora do quadro fiscal.
Na sua opinião, parcelar o pagamento de precatórios é dar calote?
Não tenho dúvida disso porque os precatórios são obrigações reconhecidas como tal pela mais alta Corte do país, e o que o governo fez foi manejar
politicamente o Congresso para aprovar uma desobediência a uma determinação constitucional.
Os detentores dos precatórios tinham a legítima expectativa de que os títulos fossem honrados pelo Tesouro Nacional. O governo tinha R$ 1 trilhão em
caixa, então o que aconteceu foi simplesmente vontade política de abrir espaço para despesas que impulsionassem a popularidade de Bolsonaro. O que
houve foi uso de política fiscal com objetivos eleitorais, ferindo a credibilidade da política fiscal.